(Por Lis Horta Moriconi, para o Comunidade Segura)
Uma iniciativa de política penal e – de modo surpreendente e muito mais ambicioso – uma alternativa ao encarceramento. É isso que pretende o programa “Changing lives through literature” (“Mudando vidas através da literatura”, em tradução livre), que começou de forma modesta em 1991 e cuja expansão, do estado de Massachusetts para sete outros estados dos EUA, tem chamado atenção de toda a imprensa norte-americana.
Uma iniciativa de política penal e – de modo surpreendente e muito mais ambicioso – uma alternativa ao encarceramento. É isso que pretende o programa “Changing lives through literature” (“Mudando vidas através da literatura”, em tradução livre), que começou de forma modesta em 1991 e cuja expansão, do estado de Massachusetts para sete outros estados dos EUA, tem chamado atenção de toda a imprensa norte-americana.
Através do Changing Lives, juízes podem sentenciar criminosos a assistirem aulas de literatura, como uma alternativa à prisão. Um estudo feito por uma organização da área de Justiça Criminal concluiu que, após o período de um ano, o programa reduziu significativamente a taxa de reincidência criminal para 18% – abaixo da média nacional norte-americana de 45%.
“Como professor de literatura, acredito profundamente no poder que ela tem. Se as pessoas prestassem mais atenção à leitura, à profunda concentração e à boa literatura, muitos dos grandes problemas de política pública estariam, se não resolvidos, pelo menos em parte solucionados. As pessoas nunca pensaram de fato na literatura. O que me faz procurar sempre oportunidades para mostrá-las isso”, diz o professor Robert Waxler (o primeiro à esquerda na foto), da Universidade de Massachusetts, que criou o Changing Lives no início da década de 1990.
A inspiração de Waxler para o programa surgiu de conversas com um amigo juiz, Robert Kane, que sempre se mostrou preocupado com uma espécie de ‘porta giratória’ na justiça – o entra e sai das prisões causado pelas altas taxas de reincidência.
Juntos, Waxler e Kane criaram um modelo simples, no qual detentos têm a oportunidade de participar de um curso de literatura em caráter de experiência, em vez de serem encarcerados. As aulas são dadas para grupos de no mínimo oito pessoas, em uma universidade local ou um colégio da comunidade, com a participação de um juiz, de um oficial da condicional e um facilitador – geralmente professores universitários.
Waxler aproveita para explicar que quase sempre os professores são preferidos, em vez dos facilitadores, não necessariamente por sua experiência, mas por seus contatos com as universidades, o que os ajuda a garantir um local no campus universitário onde possam acontecer as aulas.
Fora das ruas
Segundo Waxler, foi realizado um estudo longitudinal por pesquisadores de Justiça Criminal em que foi feito o acompanhamento de 32 pessoas que participam do Changing Lives e outras 32 com antecedentes similares, um ano após terem cumprido as penas e sido soltos.
O professor conta que a taxa de reincidência daqueles que não passaram pelo programa, de acordo com o estudo, foi de 42%, quase a média do país. Já os detentos familiarizados com a literatura através da iniciativa apresentaram um índice muito menor, de 18%. O professor ressalta que o programa faz sentido financeiramente, uma vez que custa muito pouco se comparado ao encarceramento. “Em Massachusetts, por exemplo, o programa custa aos cofres públicos US$ 500 por detento, enquanto o custo de se manter uma pessoa na prisão por um ano chega a US$ 30 mil,” afirma.
No entanto, o programa já sentiu o impacto da pressão para cortar custos. Jean Trounstine (foto), coordenadora do Changing Lives e cofundadora da versão para mulheres, afirma que o programa perdeu o apoio na atual administração. “Nós passamos por um período bastante difícil nos dois últimos anos porque a atual legislatura não nos apoia. No auge do programa, tínhamos 12 turmas em Massachusetts e conseguíamos pagar as pessoas”, lamenta.
O programa contrata facilitadores mas não paga os juízes nem os oficiais da condicional e, atualmente, segundo Jean, muitos facilitadores estão fazendo trabalho voluntário. Ela espera implementar entre seis e oito programas em Massachusetts em 2011.
O programa de Massachusetts é realizado dentro do campus universitário mas, segundo Jean, já existem outras versões. Em alguns casos, as reuniões são realizadas dentro das celas, as aulas já foram oferecidas a jovens em regime fechado, em centros de reabilitação para dependentes de drogas e em escolas alternativas para jovens em risco. Atualmente, o programa é aplicado em sete outros estados norte-americanos e no Reino Unido.
Na versão para mulheres, elas podem ter a pena diminuída se participarem do programa ou utilizá-lo em terapia de gerenciamento da raiva. A adesão é voluntária, o que significa que a participação depende da vontade do detento ou da detenta. “Uma vez comprometido, o participante tem que ir até o fim ou perderá os privilégios, voltando ao banco dos réus ou à prisão”, explica Jean.
O público-alvo do Changing Lives são os detentos que cometeram crimes graves, conforme explica Waxler. “De outro modo, não poderíamos testar a eficácia do programa”. Na versão para mulheres, ao contrário da masculina, não são incluídas presas que cometeram homicídio ou crimes sexuais, mas é comum a presença de mulheres condenadas por roubo, assalto, violência doméstica e tráfico de drogas. “Nós buscamos pessoas que não são réus primários e que têm uma história de reincidência no crime”, afirma Jean.
Mas o que faz com que o Changing Lives funcione? Para Waxler, parece que ele tem algum poder e que o fato de as reuniões serem realizadas dentro da universidade ou na biblioteca, tem importância, pois tira os presos das ruas. “E rua, para eles, significa crime”.
“Um conclusão a que chegamos é que grande parte da eficácia do programa se deve ao fato de a literatura afastar os detentos da sua vizinhança, literal e metaforicamente. Ler e discutir boas histórias pode ser uma atividade bastante empolgante e, mais que isso, pode mostrar a eles que são capazes de pensar. Esse é o maior desafio”, conclui Waxler.
De acordo com o professor, muitos dos que aderem ao programa só têm o Ensino Fundamental. Ele conta o caso de um dos participantes condenado por tráfico de drogas que, após frequentar algumas sessões, disse que as discussões eram tão emocionantes quanto a vida nas ruas.
Leitura profunda
A filosofia de ler e discutir afasta o Changing Lives do mundo da terapia. Para Waxler, quando lê um bom livro, o leitor se projeta em um personagem e o segue, revivendo a sua própria história e repensando-a. Ele ressalta que a discussão é tão improtante quanto a leitura em si, porque cada um tem um ponto de vista sobre o texto. “O resultado é que o leitor se conecta com outras pessoas e percebe que não está sozinho e que o diálogo ajuda a juntar as pessoas”, explica.
Ele resume a abordagem do Changing Lives à literatura como sendo uma leitura profunda. “Esse é um termo usado por muitos críticos literários. Para mim, sugere que as pessoas se tornam mais engajadas e com maior foco na história”, explica.
O processo começa com a leitura de uma história, momento em que as pessoas fazem uma correlação entre o texto e a sua história de vida. Depois, elas refletem sobre o texto lido e sobre a sua própria história. No fim, são realizadas discussões que aprofundam as impressões e permitem uma autorreflexão.
Os livros são escolhidos de acordo com as questões que os detentos estão lidando no momento, temas como identidade masculina, violência doméstica e outros. Os livros utilizados no grupo feminino são sempre escritos por mulheres, como romances e crônicas cujos personagens são mulheres que enfrentam dilemas de relacionamento, dinheiro ou violência. “Temas com os quais elas possam se relacionar de alguma forma”, explica Jean Trounstine.
Jean ressalta as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que querem participar do programa. “As mulheres são um grupo muito mais vulnerável e que recebe muito pouco apoio dos seus companheiros. Os homens não se sentem confortáveis com a possibilidade de as mulheres estarem aprendendo mais do que eles”, afirma Jean.
Ela gosta sempre de repetir o que um juiz que participou durante muito tempo do programa contou: “Você não acreditaria na quantidade de pessoas que encontro nas ruas e que me dizem ‘eu continuo lendo’”.
_____________________Fonte: Comunidade Segura
Fonte do DocênciaLP: http://www.inclusive.org.br/?p=17007
(Acesso em 01/09/2010)
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